quinta-feira, 5 de abril de 2012

Destaques da Jornada Internacional por Luís Couto


28ª Jornada da Bundesliga, habitáculo do relevo triado da jornada futebolística nos principais campeonatos internacionais. Figura, então, destacado, com menção de constituir um baluarte das mais variadas realidades futebolísticas, o Borussia de Dortmund (que defrontou na passada sexta-feira o Estugarda, no Signal Iduna-Park).

Borussia de Dortmund

Muitas são as razões que determinam o espontâneo alheamento dos portugueses do futebol bávaro e das equipas germânicas. Algumas delas são sequelas estigmatizadas da nossa “clubite” e “patriotite” e decorrem do embaraço que tudo o que é alemão causa aos clubes portugueses e à seleção nacional. A Alemanha tirou-nos precocemente o sonho de conquistarmos um Europeu no último ano de Scolari, quando já nos tinha apartado da hipótese de pisarmos o pódio no Mundial de 2006. O Bayern de Munique infligiu ao Sporting duas pesadíssimas derrotas, em 2009, na Liga dos Campeões, instalando a disforia nos “leões” ainda jubilantes do segundo lugar granjeado no grupo do Barcelona (na fase de Grupos dessa edição, superando, na altura, o Shakhtar Donetsk e o Basileia), e o próprio Borussia de Dortmund, objeto desta análise, recuando a épocas mais remotas, já brindou, em 1963, o então bicampeão europeu Benfica com uma mão cheia de golos. Mitigando um pouco o cenário, podemos dizer que o Benfica “despachou” facilmente o Estugarda (que “empatou” o campeão Dortmund nesta jornada), na época passada, na Liga Europa, mas, por outro lado, não deixa de existir, irrevogavelmente, em Portugal, a opinião massificada de que os teutos não praticam um futebol cativante, não são um paradigma daquilo que este desporto tem de mais característico. Dissemina-se a ideia que o futebol alemânico abusa de um pragmatismo calculista, conjugado com uma letalidade quase cínica, o que, comparando com a vivacidade do futebol praticado na Premier League, por exemplo, remete o estilo ariano para pouco mais do que uma deturpação das raízes deste desporto. Esta ideia não será assim tão extrema, mas deve ser referido que, mais do que falaciosa, é perigosa, por ser tão distinta da realidade. O pragmatismo e a letalidade são virtudes do futebol germânico, mas basta ver um jogo como este Dormund vs Estugarda (que os seguidores da Bundesliga sabem ser um exemplo representativo e não uma exceção) para se constatar que tais características são demasiado redutoras. De facto, a liga Alemã, em termos de espetáculo, em alguns jogos, pouco fica a dever à liga Inglesa, gozando, ao contrário desta, de uma pureza e identidade muito mais vincadas, ganhas com a segregação meticulosa a que é sujeita e a elevada concentração de jogadores germânicos.

Dentro desta virtuosíssima Bundesliga, muito do seu dourado laurel vem dos tons gemados da camisola do Borussia de Dortmund. O clube grande de Dortmund parece ter superado terminantemente a crise financeira que assolou o clube nos primórdios do século e acabou com a hegemonia do Bayern de Munique no futebol bávaro com um título incontestável e concludente na Bundesliga, na época passada, sendo ainda este ano o comandante isolado da mesma prova, ofuscando o brilho das estrelas do rival de Munique. De facto, os pupilos de Jürgen Klopp (o auspicioso timoneiro da formação, que ainda, recentemente, recusou categoricamente a hipótese de treinar o Chelsea) logram de um fulgor muito próprio, própria da sua aura quase juvenil (sem que lhes falte, contudo, maturidade) e da sua veemente coesão de grupo, sendo o Borussia uma genuína galáxia de protoestrelas. Nomes como Götze, Hummels, Kagawa, Subotic, Bender e Lewandowski (é notável que os mais velhos deste pequeno grupo diferenciado tenham só 23 anos), e a estes, brevemente, juntar-se-á Marco Reus, já contratado para a próxima época, são já referências do futuro do futebol internacional e, não obstante o peso que exercem na “performance” da equipa, todas estas individualidades encontram-se agregadas, absorvidas e harmonicamente compiladas na essência do seu invariável futebol irmanado. Só esta extrema coesão permite domar a ferocidade dos mortíferos Robben, Gomez e Ribéry.

Apesar do Borussia de Dortmund merecer, indubitavelmente, ser o destaque integral e único, no que toca a formações, desta jornada, incidindo e refletindo na mesma, acaba por ter de partilhar a sua insigne menção com o Estugarda, que ajudou a protagonizar um festival de golos no Signal Iduna-Park, na passada sexta-feira, e, assim, justificou os supracitados elogios ao futebol germânico. O atual 6º classificado da Bundesliga, contando com as excelentes exibições de Julian Schieber, Vedad Ibisevic e Georg Niedermeier (Zdravko Kuzmanovic, apesar da intervenção em dois golos, e Martin Harnik estiveram mais discretos), foi ao terreno do campeão e preconizou uma réplica impressionante ao poderio local, determinando que, no término do jogo, o placar do marcador assinalasse um conclusivo 4 a 4. Deste modo, embora o Borussia seja a distinção e o foco da jornada (até porque mereceu vencer o jogo), o clube que fez Giovanni Trapattoni abandonar a Luz em 2005 (depois de devolver o Benfica aos títulos no Campeonato) acaba por surgir, complementarmente, eminente nesta análise.

Um resultado como este, que regista um total de oito golos, induz que a eficácia tenha sido o ingrediente imperante neste jogo. Surpreendente (para quem não viu o jogo) é, então, averiguar-se que o resultado poderia ser ainda mais avultado, pelo que a opulência de golos é um espelho fiel daquilo que se verificou. Efetivamente, antes do marcador ser estreado, o japonês Shinji Kagawa (que, nesta fase, tem sido preponderante, fazendo olvidar a ausência, por lesão, da estrela da equipa, Mario Götze) já tinha atemorizado Ulreich por duas ocasiões, primeiro com um remate de ressaca à entrada da área, após corte deficiente de Kuzmanovic, depois rematando colocado, sem deixar cair a bola depois de a ter dominado no peito já dentro da área. O Estugarda retorquiu com remate perigoso de Schieber, após cruzamento de Hajnal, mas o Dortmund acentuou, de seguida, a sua superintendência das operações atacantes, com Lewandowski a acertar na cabeça de Niedermeier já depois de ter ultrapassado Ulreich e Großkreutz a fazer abanar a trave após passe de Gündogan. Só depois destas incidências, e ainda de uma encenação de penálti de Ibisevic, é que chegou o anunciado golo de Kagawa, decorrente de um amortecimento perfeito de Kehl e, antes, de uma excelente investida pelo corredor direito de Schmelzer. Mas o melhor estava reservado para a segunda parte (talvez despoletado pela galardão atribuído a Götze no intervalo), onde, depois de “Kuba”, a passe de Hummels, aumentar a vantagem para os visitados (Piszczek tinha feito a trave vibrar novamente num lance similar, minutos antes), sucederam duas “cambalhotas” no marcador e, por fim, a consumação do empate a 4.

Depois do segundo golo, a equipa da casa reduziu o ritmo do jogo e o Estugarda progrediu no terreno (ainda sem parecer capacitado para transpor o controlo de jogo exercitado pelo Dortmund). Todavia, William Kvist, depois de um lance muito bem trabalhado, atirou à trave e, a meio da segunda parte, Gentner e Kuzmanovic deram a possibilidade a Ibisevic de reduzir a diferença para os Schwaben, que este não enjeitou. Sete minutos volvidos, Schieber, meio aos tropeções, depois de contornar Weidenfeller, estabelecia o empate na partida e, apenas dois minutos depois, após passe de Kuzmanovic, o mesmo Schieber instaurava a inusitada mudança na corrente do jogo, colocada agora a favor dos visitantes. Soou então o alarme em Dortmund, justificativo de entrarem em campo Lucas Barrios (que substituiu Kagawa) e Perisic. Sustentado na crença arraigada do seu público, o Dortmund partiu com tudo para cima do seu adversário e, aos 81 minutos, Hummels, um dos mais promissores centrais do mundo, cientificou que é multifacetado, ao concretizar um passe de Kehl, rematando rasteiro ainda de fora de área. A avalanche de futebol ofensivo vivificou-se ainda mais e só Niedermeier impediu que três golos a mais se materializassem neste período. Aos 87 minutos, no entanto, o inevitável golo do Dortmund apareceu da cabeça do “suplente” Perisic, em canto marcado por Schmelzer, que comemorou o golo em conformidade com o gáudio vigente nas bancadas, tirando inclusivamente a camisola e provando desconhecer o desfecho do jogo, pois faltava ainda uma última incidência de relevo. De facto, no segundo minuto de compensação, Gentner encheu o pé e “selou” o empate, gelando as bancadas do Signal Iduna-Park. Um final de jogo épico, condizendo com o grandíloquo espetáculo deste jogo homérico.

O empate é penalizador para o Borussia de Dortmund, que, mesmo assim, conserva a liderança na Bundesliga, e o estudo das ocorrências do jogo remete, obviamente, este resultado para a iniquidade. Isto não invalida que esta sumptuosa partida de futebol tenha sido um hino à fecundidade do futebol bávaro e à refulgência do Borussia de Dortmund. E, mais do que nunca, a luta pelo título na Alemanha está ao rubro.

Seja o primeiro a comentar!

  ©Manuel Cruz - Relatos de Futebol - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo